sábado, 28 de janeiro de 2012

A pré-história do compartilhamento de arquivos

Os anos 60 e 70 (quase) salvaram a humanidade e foram o despertar para novas ideias. Durante as duas guerras mundiais, os inquilinos do planeta terra exercitaram a barbárie sistematicamente. A II Guerra Mundial mostrou a capacidade da nossa espécie para destruir os semelhantes; o socialismo reforçou nossa idiotice, nenhuma ideologia pode determinar a forma como agimos. Embora o capitalismo continue a orientar nossos pensamentos e atitudes, dissimuladamente, a partir da figura messiânica da liberdade.

O bando do sr. Garcia
As décadas de 60 e 70 quebraram os paradigmas da sociedade ocidental. Mesmo que existisse Guerra no Vietnã, ditaduras na América Latina e segregação racial em alguns países. A conhecida tríade sexo, drogas e Rock and Roll purgou boa parte dos demônios do ocidente. Nunca a humanidade queimou tanto (não me refiro as fogueiras da Inquisição); ensaiou a procriação magistralmente (graças à pílula anticoncepcional) e fez música até mais tarde, graças ao Rock. O apogeu desse gênero musical possibilitou, entre outras coisas, o encontro entre ocidente e oriente, sem recorrer ao imperialismo capitalista. Além da transgressão da guitarra, a música universal (o Rock, obviamente) incorporou os acordes sagrados da sitar, os Beatles, na figura de George Harrison, provaram e aprovaram a música oriental.

As décadas mencionadas aqui apresentaram ao mundo a contradição e a contracultura, se os hippies elegiam Bob Dylan como representante do movimento. Dylan conservava um rifle carregado, em seu rancho, para detonar os miolos de algum bicho-grilo disposto a perturbar o sossego do cantor. Se os EUA discriminavam os negros, esse mesmo país prendia o boxeador Muhammad Ali, por que se recusou a lutar na guerra do Vietnã. Segundo Muhammad, por que defender um país que segrega os negros? Argumento bastante pertinente.

Em 1965 entra em cena o Grateful Dead. Grupo nascido em São Francisco (EUA). Liderado por Jerome “Jerry” John Garcia (1942-1995), a originalidade foi o principal atributo da banda. Era marca obrigatória nos shows, gravações em estúdio e nas relações com os fãs. A banda foi objeto de culto, a ponto de surgir os “deadheads”, turma de fãs que acompanhava o grupo a qualquer lugar. Fenômeno ímpar na história da música, a explicação para o fato reside nas apresentações. O Grateful fazia de cada show um evento único. Cada espetáculo era marcado por longas improvisações pontuadas pela influência do jazz, próprias para embalar o espírito da época e abrir a estrada para as viagens lisérgicas. Quer entender mais sobre a banda? Ouça o disco “Grateful Dead-Live/Dead (1969)”, e deixe se levar por “dark star”, musiquinha com 23 minutos de duração e entenda o porquê de tanto alarde.

A banda sintetizou o espírito da época, seja comportamental ou musicalmente. Todo mundo morava em comunidade? O Grateful morou. “Viajar” era preciso? O Grateful não só viajou, mas também  incentivou diversos tipos de viagens. O importante era fazer música? O Grateful fez, e bem feito. O importante era fazer sexo sem compromisso? Meio mundo fez, inclusive a banda de Jerry Garcia.
Mesmo com todas essas peculiaridades, tem uma muito original, o formato de comercialização da música. A banda do sr. Garcia mostrou às grandes gravadoras que a música é acima de tudo arte e não somente uma mercadoria. O Grateful, em seus shows, permitia que o público gravasse o evento, disponibilizava a mesa de som para o público registrar o momento. Mais longe, os espectadores dispostos a fazer isso, recebiam um ingresso especial para ter livre acesso à mesa de som. O Grateful estava focado em mostrar o virtuosismo dos seus integrantes, rádio e vendagem de discos, não figuravam no rol de preocupações da banda.

A partir da atitude do grupo, podemos perceber o quanto loucura e sensatez caminham juntas. Em meio à piração dos anos 60 e 70, o Grateful resistiu às tentações das gravadoras e inventou o compartilhamento de arquivos, antes da rede mundial de computadores ser criada. A mídia ventila, constantemente, a briga entre gravadoras e a internet. As multinacionais do disco buscam maneiras de barrar o compartilhamento gratuito de arquivos em mp3 ou congêneres. O que o Grateful iniciou na década de 60, nós consolidamos no presente graças à liberdade proporcionada pela internet. Mesmo ao adotar a postura de favorecer os “piratas”, a banda liderada pelo sr. Garcia, prosseguiu vendendo discos, sem prejuízos comerciais ou criativos.

Um comentário:

  1. O capitalismo sempre existiu e existirá. Mas independente de sua existência, quando uma banda faz sua música por prazer, ela não se importará em distribuir o que produz para o público em geral, obtendo lucro ou não.

    Isso é o que eu chamo, aqui na minha terra, de reflexão do caralho.

    Abraço.

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